Saturday, January 26, 2013

DAVID E BATE-SEBA


"Bathsheba", Ivanov Alexander, 1806-1858



Quem sou eu para condenar-te, David?
Não soubeste segurar os teus olhos
e como duas aves em busca da cor
os lançaste? Desceram da tua varanda
ao encontro da nudez
do amor.

26/1/2013
 

Sunday, January 20, 2013

PSEUDÓNIMOS E HETERÓNIMOS

São vocábulos que não entram na linguagem bíblica. Porque em termos estrictos de crítica literária são márcaras. Personae, diza Ezra Pound.

Mas do ponto de vista bíblico-teológico, da inspiração divina, os escritores dos Livros da Bíblia, antes de serem autores, são homens identificados, tiveram existência própria e sob os seus nomes próprios se apresentaram.

Não são escritores imaginados “ que apresentariam diferentes concepções de vida (…) nem diferentes visões do mundo”

Segundo a inspiração da Palavra de Deus, o Senhor foi revelando na História as suas Palavras através dos vários níveis das frases humanas, níveis fonético, gramatical, contextual, desses autores-homens que manuscreveram o Sagrado, mostrando-se de rosto sem máscaras.

O nosso pensador Eduardo Lourenço, numa das sua obras, sugere que a máscara existiu antes do rosto. Com certeza que não na narrativa bíblica, mas se quisermos concordar, aduzimos que no Jardim do Éden houve uma primeira e arquetípica máscara: a de Satã. A máscara exterior e interior da Serpente.

20/1/2013

 

Friday, January 18, 2013

O VASO QUEBRADO


“Hay veces en que el alma / se quiebra como un vaso”
Francisco Brines

Há vezes em que as mãos do oleiro
também quebram com a dor
para segurar o vaso antes que quebre
e cada caco seja inapelável
e se olvide do lugar
com que enchia a sua redondez
há vezes em que o oleiro
do vaso quebrado, enche-o da forma
e do vigor da água.

16/1/2013

Wednesday, January 16, 2013

O SUBSTITUTO

CONTO
inédito publicado Aqui, em A Ovelha Perdida


Quando abriram a porta da cela, restos do seu nome ainda entraram, uma luz alimentada a azeite num facho e a mão temerosa do legionário romano. O nome tornara-se popular naquela manhã. Mas como nada sabia do que se passava lá fora, estranhou o que lhe pareceu ser o seu nome gritado – Bar…rra…abaas – e o que o soldado lhe atirou à cara:
-Barrabás, vais ser libertado- grunhiu o romano.

Entre a ocupação romana da Judeia e a resistência, com actos terroristas, Barrabás significava medo, rudeza, ideal que não olhava ao sangue derramado, quando o nome se pronunciava. Para os judeus era uma espécie de herói. Quem não o conhecia, só lhe conhecendo o nome, imaginava-o um homem de rosto agreste, barba emaranhada e comprida, olhos de fogo.
Mas Barrabás, era belo. A sua tez morena, as linhas judias do seu rosto, o nariz adunco, os seus olhos
esverdeados.

A sua voz, como a voz de um agitador político, estava afeita às esquinas, dava sons às sombras furtivas, ouvia-se Barrabás e ficava-se com a fortaleza das suas convicções.
- Os romanos para fora da nossa nação! – eram palavras educadas, mas lia-se a violência que era capaz de cometer para que a frase tivesse sentido. Além disso, falava como toda a gente que tinha certezas ao cabo de uma luta de anos.

Quando olhava para as mulheres, evidenciava uma grande timidez, que contrastava com o seu porte. Baixava os olhos em sinal de respeito e falava contidamente. Não se sabia se casara algum dia ou não. Não era velho. Como qualquer revolucionário preferia viver a solidão.

A revolução era a sua vida. Gostava dos essénios, da sua brancura, apesar de serem religiosos; partilhava mais com os zelotas. Dizia-se que era um homem próximo de quem liderava esse movimento político. Mas não gostava de fariseus, tolerava os saduceus, porque faziam política. Os actos revolucionários, os actos extremos até ao terrorismo não se compadeciam com pensamentos
sobre outra vida que não a presente, não cria na ressurreição. Cria na acção.

-A vós não vos falta nada – dizia aos romanos. – Nós, os judeus, é que estamos à míngua, só
apalpamos a terra, e a terra é nossa.

Estas palavras não eram bem entendidas pelos legionários, mas percebiam a rigidez do rosto e a força dos lábios a triturar as palavras de Barrabás. Com eles não era acanhado.

Barrabás lembrou-se de tudo isto, quando vieram abrir-lhe a porta da cela. Nem ouviu o ranger dos ferros que lhe levavam os alimentos. Não teve nenhuma reacção. Só nos corredores do Pretório o sangue começou a ebulir. Começou a entender o vozeario, inesperado àquela hora tão matutina. Já nas ruas de Jerusalém, quando se afastava da Torre António, e de todo aquele tumulto, percebeu a manipulação da multidão e deu-se conta de que os seus crimes tinham sido pagos por alguém. Por um substituto.
Da última vez que se ouviu falar de Barrabás, tinha voltado para Cafarnaum.
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Friday, January 11, 2013

O ÚLTIMO SALMO

Não iria demorar-se muito
o silêncio
nos cantos dos lábios

as palavras como o som

de uma fonte alegre

o fôlego nas trombetas

e os dedos
límpidos nas liras, será hoje
uma respiração diferente.


10/12/2012

Monday, January 07, 2013

"A MENSAGEM", de Eugene H. Petersen





Ele ( Jesus Cristo) respondeu: "Minha querida Marta, você está fazendo tempestade em copo d'água. está se preocupando à toa. Só uma coisa importa e Maria a escolheu. É o prato principal. Não vou tirar isso dela".
(Lucas 10:38-42 - paráfrase "A mensagem", Eugene H. Peterson, Editora Vida)

Não discuto o valor das paráfrases desta mensagem, da Bíblia com uma linguagem do quotidiano, procuro apenas uma contextualização semântica e semiológica e não consigo encontrá-la; que me perdoem os cultores e apreciadores, mas na linguagem aramaica em uso por Jesus, a expressão "tempestade em copo d'água" não existiria porque não fazia sentido, linguisticamente.

Ao ler "A Mensagem", sinto-me como um leitor de uma tradução em paráfrases dos textos originais de Shakespeare.
Possuindo o louvável desejo de modernizar e clarificar a Mensagem, torna-se a mesma difusa, porque não há contextualizações que lhe resistam.

Este tipo de traduções, geralmente para "português" do Brasil, de originalidades pseudo-literárias norte-americanas, sobretudo não têm em conta o que Mikhail Bakhtin ensinou sobre dialogia e harmonia intrínseca no texto dos diálogos. Jesus Cristo nunca dialogaria daquela forma sugerida, nem de outra próxima de um "jargão" inconcebível, porque desconhecido na época, e sem dignidade.

Friday, January 04, 2013

OS “HUIS CLOS” MODERNOS


Quando Jean-Paul Sartre levou pela primeira vez à cena em 1944 a peça “Huis Clos” e em 1947 a publicou, não havia “Big Brother” nem “Casa dos Segredos”, nem a menor possibilidade de haver. Assim, sem qualquer ligação com os espaços fechados onde jovens vivem 24 horas sobre 24 horas sob o escrutínio das câmeras e dos microfones para entretenimento dos espectadores da televisão, não foi acusado de se inspirar em tais programas. Tão pouco creio que os autores dos mesmos se tenham inspirado na peça sartreana.

Em português seria “Sem Saída” e remete logo um leitor não existencialista ateu, cristão, para a parábola do Rico e de Lázaro: “ E, além de tudo, está posto um grande abismo entre nós e vós, de sorte que os que quisessem passar daqui para vós não poderiam, nem tão pouco os de lá passar para cá” ( Lc 16, 26)

Esta peça de teatro, uma das obras-chave de Sartre não é constituída por uma multidão, tem apenas quatro personagens, um – o garçon, serve os outros. Os “outros”, as três pessoas é que são o inferno. É nesta obra que se encontra a célebre frase, climax quase final: “l'enfer, c'est les Autres”. Por isso, “não há necessidade de grelhas, o inferno são as outras pessoas”.

Toda a narrativa, isto é, toda a dialogia em que está montada a peça, os diálogos são conducentes aquela verificação e culminam com um vocábulo radical e terrível, já naquela distante data dos anos 40: alienação.

Neste inferno sartreano, as personagens ( o ser humano) está completamente alienado da Realidade, de Deus e do Mundo, não há vidros, não há janelas. Na ausência dos espelhos, o rosto do outro ( de cada outro) é o espelho.

O quarto em que Inès, Estelle, Garcin e Le Garçon estão encerrados, tem só uma porta e esta permanece fechada, como fechados estão uns para os outros e para si próprios até, os protagonistas. Não podem fugir de si mesmos, mas ao mesmo tempo não suportam a sua própria companhia. Estão alienados uns dos outros, portanto. Alguém escreveu, a propósito, “que poderiam transformar o inferno num paraíso se conseguisssem estabelecer relações uns com os outros.”

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