Saturday, November 28, 2009

Lutero: Sem Sonhos, Nem visões...

Sem Sonhos, Nem visões...
Imperdível, pelo menos esta nota inicial do texto, tão necessário hoje no que concerne a uma revisão ou reforma (?) de métodos, dando lugar exclusivo à Bíblia Sagrada.

"Infelizmente parte da Igreja evangélica não tem sido guiada exclusivamente pela Palavra de Deus. Em algumas denominações percebe-se nitidamente que a tradição religiosa, as experiências místicas, além de técnicas terapêuticas e estratégias de marketing, servem como bússola e orientação àqueles que se denominam cristãos."

In Púlpito Cristão, via Ab-Integro, de Jacinto Lourenço

Saturday, November 21, 2009

As virgens das lâmpadas


Estão paradas a segurar
a sua sombra
até que o sol seja um lento
traço fino no horizonte

Estão paradas e olham para as mãos
há no desenho das chamas
uma forma quase de estrelas
brilham, tremem as mãos
iluminadas nas candeias

Esperam o baixar
e o subir do sangue
ao coração
Esperam paradas, encostadas
ao seu sono

Enquanto a língua do lume
lambe as feridas da noite.

21-11-2009

Tuesday, November 17, 2009

O Dante da Poesia Bíblica



Há uma observância das normas da poética no livro bíblico do profeta Isaías.
Com efeito, existem provas incontáveis de como a melhor poesia pode prescindir do metro. No estudo de uma poética ocidental, não foi por mera referência editorial que se escreveu sobre a grande poesia que pode dispensar a metrificação, e que tal se estende até ao livro bíblico de Isaías.
Uma referência do nosso tempo, o crítico literário Harold Bloom já havia escrito, que, face à realidade social em que se vive, o homem actual é exortado a encontrar “em Platão ou em Isaías a origem da nossa moralidade.” (O Canone Ocidental, pág.39)

O estilo deste profeta integra uma unidade que a crítica não pôde desintegrar, embora desde o século XVIII o tentasse fazer. Como é do domínio dos estudiosos, essa crítica colocava em questão a identidade do autor, sugerindo a hipótese de várias identidades autorais do Livro bíblico profético.
O prof. Adriano Moreira afirmou, a este propósito, que, contrariamente às hesitações da tal crítica, o Livro de Isaías mantém a continuidade da voz e da mensagem, da voz de Isaías e da sua Profecia, nas Escrituras Sagradas.(Isaías, Três Sinais Editores, Apresentação de AM)

É, com certeza, no âmbito do Fundamentalismo evangélico, um estilo literário, assim considerado há muito, com estudos fundamentalistas desde o princípio do século passado. «O estilo de Isaías difere amplamente de qualquer outro profeta do Antigo Testamento»- escreve o prof.George Robinson na colectânea Fundamentos (Edição de R.A.Torrey, Hagnos, pág.93)

O filho de Amós estabelece desde o início o paradigma do seu Livro ao declarar que o mesmo será resultado de uma Visão. E di-lo de uma forma linear, comparativamente ao princípio de Ezequiel, que o faz de um modo prosaico e muito histórico-literário, também. O termo hebraico châzôn (sonho, revelação, oráculo), compara-se ao grego orasis, o que equivale à coisa que se torna visível. E a poesia torna as ideias visíveis nas palavras. Gostaria também de usar aqui o termo «poesis», que significa «fazer», referindo-o como uma forma de arte, de criatividade visual.

Com efeito, a poesia existente no Livro de Isaías permite-nos que «vejamos» o que o profeta escreve e vaticina, as suas imagens, as suas metáforas.
Por exemplo, do entrecho poético: “Como são belos sobre os montes os pés do mensageiro que anuncia a paz, que traz a boa nova, que apregoa a vitória, que diz a Sião: “Já reina o teu Deus”( Is 52,7). Os “pés do mensageiro” com feridas, sujos da poeira da estrada, são “belos” na poética do profeta. A razão é a qualidade da mensagem, a sua totalidade mensageiro / mensagem, a boa nova que é ela própria um som de paz. Forma e conteúdo da mensagem são a mesma coisa: uma voz pacífica perante a visão dos atalaias que já distinguem o retorno do Senhor a Sião.

Outro entrecho do Livro, o cap.53 é paradigmático. Sendo profecia, traduz porém o acontecimento numa linguagem estruturada em símiles e metáforas. A antevisão da paixão e crucificação do Messias é notavelmente de poética.

Poderíamos dizer que na poética do profeta bíblico existe o paradigma de uma antecipação do estilo modernista, 2.600 anos antes, obedecendo no entanto ao rigor das normas hebraicas, mas com apontamentos da área dos tropos da linguagem. Como alguém considerou, é fácil descobrir que o Livro de Isaías contém mais vocabulário do que qualquer outro livro da Bíblia e artifícios de linguagem.

Antes de movermo-nos para outro ponto sobre a poeticidade do escrito Isaías e sobre este como poeta, deixem-me exemplificar: ele usou um esquema que hoje conhecemos como quiasmo. Esta figura literária de repetição pode ser pensada como a do paralelismo hebraico.
Assim esquematizado: ABCDDCBA ou ABBA Vejam-se dois exemplos: A-Efraim B-não invejará a Judá B- e Judá A-não oprimirá a Efraim. ( 11,13) e 55:8: A-Porque os meus pensamentos B-não são os vossos pensamentos, B-nem os vossos caminhos A-os meus caminhos, diz o Senhor.

A observância da poética em Isaías é um problema da cultura, problema do qual faz parte a solução para o entendimento da linguagem da poesia de uma boa parte do livro do profeta bíblico.Tanto na forma como conteúdo.
Citando, comparativamente, o teólogo Richard Niebuhr, «Paulo foi um conservador cultural» e não rejeitamos de modo algum que tenha incluído no seu discurso em Atenas a referência a dois poetas pagãos da cultura greco-romana: Aratus e Cleantes.

A Cultura é um meio que deve dar expressão à Fé, e não um fim em si mesma. O profeta Isaías, no seu tempo antes de Cristo, não citou poetas, ele próprio foi poeta, exprimiu a sua Visão e a sua Fé no Servo Sofredor através da sua cultura poética. Isaías é um autor bíblico que explica tudo.
O próprio uso do termo «Senhor dos Exércitos», que é uma forma universal no escrito inspirado de Isaías trata do senhorio de Deus sobre anjos e estrelas, isto é, o Criador do Universo inteiro, porquanto na linguagem bíblica os «exércitos» divinos são os anjos e as estrelas.

Outro termo utilizado é o peculiar «o Santo de Israel» que é uma particularidade que identifica o Senhor da Nação, e marca esta como constituída por um Povo peculiar e separado para corresponder ética, moral e espiritualmente à santidade.
Nesse tempo já havia termos que definiam e caracterizavam, nas literaturas clássica de antes do Velho Testamento, soberanias e autoridades, designadamente «o pastor de povos», que se referia aos reis e é designado na Ilíada e na Odisseia de Homero – os poimèn laôn.
Tratava-se aqui de uma metáfora, uma símile literária que o profeta Isaías cristalizou no seu Livro, no contexto de Israel, ao falar do que vira na sua visão mística, «o Rei, o Senhor dos exércitos», o Criador do universo inteiro. Isaías tem sido definido, pelos estudiosos do seu Livro bíblico, desde 1775 como o «Dante da poesia hebraica».

Porquê Dante? Por este ser um admirador da arte dos Salmos? E da Roma cristã? Pelo estilo da escrita, das imagens, pela potência inventiva das frases, ou pela sua estrutura visionária da sua obra-prima? A Divina Comédia? Sobre Dante escreveu-se que ele vê e sente por imagens. Cada episódio é um reflexo variado de tudo aquilo que agita a alma de Dante.
Ele sente-se como vidente e profeta investido de uma missão divina.
Dante sofre perante tais imagens dessa visão dantesca, a que já se chamou a «danteide» desde o Paraíso ao Inferno. «Dante sofre por aqueles factos e aquelas impressões, e quer transmitir esse sofrimento; doutro modo não poderia dar a entender aquilo que deve ou quer, ou seja o aspecto e os perigos do Inferno»

Isaías sofreu perante a visão do Servo Sofredor, de Cristo na figura da ovelha muda perante os tosquiadores, sem beleza alguma para que fosse desejado. Isaías cujo nome tem parecenças no sentido do de Jesus, «o Senhor salva», é talvez por essa razão considerado o «Dante da poesia bíblica».
Sendo considerado o primeiro dos evangelistas, viu o Amor de Deus a entrar solene com corpo no mundo antigo, a estabelecer a era da Graça. Estabeleceu na sua profecia uma moralidade transmitida por palavras poéticas e uma ética na sua narrativa que apontava os erros e o futuro de Israel e retratou quase um milénio antes o percurso evangélico de Jesus Cristo, do Advento à Cruz, com uma poética da Graça divina.

Wednesday, November 11, 2009

Claude Lévi-Strauss-Antropólogo da Alma

Morreu em 30 de Outubro o homem que devolveu a alma aos indígenas das Grandes Antilhas e aos brancos Espanhóis, após a descoberta da América. Uns enviavam comissões para se saber se os índios tinham alma, e outros afogavam os descobridores europeus para verificarem se os cadáveres entravam em putrefacção.

Morreu o homem que deu rostos humanos à densidade fechada da Amazónia, e restaurou para o pensamento teológico da Europa a inocência da nudez do primeiro Éden do primeiro homem e da primeira mulher, entre as tribus dos Nambikwara e dos Tupi-Kawahib.

Morreu o homem que afirmou que «existem muito mais culturas humanas do que raças humanas» e que repentinamente espaço e tempo se confundem.
O seu estruturalismo edificou no inefável dos arcanos das raças esquecidas um espaço imaterial
para a alma humana, que era negada pelas raças ditas superiores.

Foi o antropólogo, dos homens e das suas linguagens, dos morfemas e dos fonemas da linguagem humana perdida nos meandros das selvas, que odiou as viagens e os exploradores, mas viajou nas décadas de 30 e 40 sobretudo, para trazer à dita civilização europeia, civilizações alegadamente perdidas.
Por isso foi como linguista também que transformou os tabus sobre o desconhecido em antropologia, em homens e mulheres sobretudo.

Percebi isso quando há 35 anos li Raça e História. E entrei no coração dos trópicos, na alma devolvida aos indígenas, quando li, mais tarde, Tristes Trópicos.
E para os dias de hoje foi um profeta, anteviu na década de 50 o nosso rosto ocidental em transformação na Ásia, a mesma que estava e está a antecipar o nosso futuro, e já isto nos seus tempos de vigor o assustava.

Morreu aos 100 anos em plena globalização daquele seu medo - descrito nos Tristes Trópicos - «o que me assusta na Ásia é a imagem do nosso futuro por ela antecipada».

Monday, November 09, 2009

Morreu-me um Amigo Poeta e missionário


A última crónica que o Florentino Lavrador escreveu no seu Allahu Akbar!, em Abidjan, Costa do Marfim.


"Gostaria de viver à "tripa-forra" como qualquer pessoa no mundo, mas não vivo, e nem isso me dá pena. Li num livro muito interessante que "uns confiam em carros e outros em cavalos, mas nós faremos menção do Senhor dos Exércitos". Foi por esta regra que quis pautar a minha vida sem sempre o conseguir...realizado? de modo nenhum. Enquanto existirem crentes chiques sentados nas igrejas e homens miseráveis sem haver ninguém que lhes fale do evangelho não estarei, repito, de modo nenhum, realizado!»


Morreu ontem, com um tumor cerebral fulminante. Até já, Poeta.

Outra crónica, de 13 de Maio:

«Depois de alguns dias de chuva intensa acalmou-se o céu e o calor imenso tornou ao seu lugar. As ruas parecem-me agora mais lavadas e simpáticas e até as pessoas aparentam um ar mais feliz. Saímos para evangelizar como habitualmente e foi-me mister apanhar um transporte público. Depois de muito esperar alguém tomou o meu lugar no « woroworo » amarelo. Não me apeteceu reclamar mas o meu companheiro não hesitou em fazê-lo. Pedi-lhe por favor para se acalmar pois decidi desde algum tempo não tecer juízos de valor. Ele olhou-me espantado tentando compreender a minha “loucura”. Não sei se estou a ficar mais maduro ou mais paciente mas sei que estou a ficar mais velho. Deve ser isso, a idade a fazer das suas!»

Cd Tiago Guillul IV ou o rock protestante

«Ouço chamar o meu nome três vezes durante a noite / Três vezes durante a noite / Ou o anjo me vem saudar / Ou ministrar-me um açoite». Um começo para o rock-punk protestante.
Este também: «Lou Reed queria ser preto/Eu quero ser Lou Reed/ Anão quer ser Golias/ Golias quer ser David».


Eu já tinha entrado no rock evangélico, nesta década, através de bandas como Éden, da AD Ovar, nunca havia entrado fundo no punk-rock evangélico, ou melhor no bom rock protestante. Chegou às minhas mãos, pelo meu filho João que frequenta a Igreja Baptista de Benfica, o trabalho já nacionalmente reconhecido do pastor Tiago Cavaco (dito Guillul).

Este Cd é muito mais do que um rompimento de preconceitos. É uma mensagem, o meio é a mensagem.

Thursday, November 05, 2009

Conto com estrutura de novela


Auto-Retrato, ou uma ficção literária sobre uma mulher doente há 12 anos.

Florbela Ribeiro, experimentada no conto de raíz bíblica e evangélica curto, abalançou-se agora naquela que poderá ser uma novela pequena, na sua extensão e estrutura. Aqui, no Portal Evangélico.


"Jéssica repousava a excessiva magreza do seu corpo cansado e doente. Na cama adornava a silhueta esguia com uma nobre e delicada colcha de linho, bordada à mão. Mas permitiu que o seu olhar baço pela dor se ausentasse dali.
Através da janela entreaberta, entrava uma brisa fresca, que fazia esvoaçar com subtil leveza a brancura da cortina de organdi.
Havia um sinal de que o calor intenso que se fizera sentir ao longo de quase todo o dia, começava finalmente a dar tréguas.
Em frente, e por cima da cómoda de carvalho maciço, o auto-retrato, pintado por um conceituado artista israelita, observava-a atentamente, parecia perceber quais os caminhos por onde vagueava o pensamento."