Saturday, February 28, 2009

Mickey Rourke, um rosto gasto

Em passo angélico no ar
cair no tapete, era bom nisso
causar problemas à seriedade
de Hollywood, fazia isso naturalmente
foi estúpido dizer
que representar não era trabalho
para um homem a sério
depois de tanta pancada
a minha memória tem muito
espaço.

23/2/2009

Wednesday, February 25, 2009

Botas e Carpins


Aí por meados do ano 1946, em Lisboa pelo menos, não imagino a revista TIME, Vol. XLVIII, nº 4, de 22 de Julho, a seguir pelas ruas da Baixa, debaixo do braço dos transeuntes sem pressa porque não havia Metro a apanhar.


Não imagino mesmo leitores nas pastelarias do Rossio a comentar o artigo editado na secção Foreign News-Portugal, «How Bad is the Best?» e a olhar para a capa, na qual ao lado de uma maçã podre olhava de soslaio o decano dos Ditadores, Salazar.

A peça jornalística de meia dúzia de páginas relatava o princípio do Estado Novo até àquela data, e a pergunta «como o mau é o melhor?» era óbvia. Naquele Portugal melancólico e empobrecido, rendido ao Homem que livrara a Pátria da Segunda Guerra, mas que fora suficientemente cínico para entristecer o país com a notícia da morte de Hitler, não estou a imaginar outra coisa senão o silêncio.

Não imagino mesmo que, apesar de ser a primeira capa sobre Portugal que a Time publicava ( a segunda seria em 1975 com o medo do país se tornar comunista), o povo fosse agradecer em manifestação até S.Bento por Salazar nos ter proporcionado essa celebridade.

O facto é que começando a ler o artigo, se veria logo que a coisa seria objectiva e muito crítica. Embora nos primeiros parágrafos, a definição moral e o retrato psicológico do ditador o referenciassem como «modelo de rectidão».

Seguia-se depois para a inevitabilidade desse meio século de tristeza nacional: o desequilibrio dos orçamentos familiares das famílias portuguesas, o crescimento da tuberculose, os 5.800 casos de doença mental, o baixo índice da educação «apesar de Salazar ser um professor», a Oposição( o M.U.D.), o medo de Salazar do caos, «a justificação tradicional dos ditadores», que abriu caminho a cada vez mais restrições e medidas «contra os possíveis rebeldes». Mas, também, coisas positivas: desde logo o restabelecimento do equilibrio financeiro do deficit da nação, em 68-70 anos de deficits antes de 1928, os barcos de aluguer no Lago de Palhavã, o equivalente ao hot-dog americano, a sardinha assada e as «song of fate»( o fado), ou mesmo o Rossio ter sido equiparado à Times Square.

Mas o que interessaria aos leitores portugueses, estou a imaginar, eram sem dúvida as «mulheres no jardim», do Presidente do Conselho.
O facto mais significativo acerca da relação de Salazar com a Condessa Carolina Asseca, é que nem sequer a mexeriquice portuguesa, nem os milhares de inimigos de Salazar, sugeriram que a Senhora fosse sua amante. – Há distância de 60 anos, era esta também a outra tónica do artigo, na parte do texto que versava este assunto no âmbito da vida privada do Presidente do Conselho e do decano dos ditadores da Europa.

Ora foi uma «cópia» dessa revista que a recente mini-série televisiva A Vida Privada de Salazar exibiu recentemente em dois episódios de pura ficção, em um ou outro ponto. Falar-se-ia das inseparáveis botas do Ditador e dos carpins frágeis da aristocracia da D.Carolina. Confesso que no artigo inteiro não descortinei nem botas nem carpins.

Porém, a coisa mais próxima de botas e carpins, que alegadamente o artigo da TIME publicaria sobre a relação «improvável», é a frase «sua reputação de piedade ( de Salazar) é tão grande que uma ligação é considerada impensável.»

Muitos portuguêses – sugeria o articulista- tinham esperança que os rumores de que ele pretendia casar fossem verdadeiros; dizia-se que casamento podia humanizar o homem de quem a maioria tinha medo e que poucos amavam, e que já havia descoberto o aforismo de Lord Acton, segundo o qual «o Poder tende a corromper, o Poder Absoluto corrompe absolutamente.»

Thursday, February 19, 2009

"No princípio era o Verbo..." e um papel do 25 de Abril

Há meia dúzia de anos, o semanário Expresso, 25-04-03, publicava um artigo de opinião, relacionado com as comemorações do Dia da Liberdade desse ano e reformas políticas então em curso.
No texto, dizia o autor que essas comemorações «são justamente enquadradas por uma preocupação de reforma do sistema político. (...) Simplesmente, por muitas que sejam as leis e as providências normativas, a duradoura reforma do sistema político passa pela reforma das mentalidades e dos comportamentos. (...) Tal como diz a Bíblia, no seu começo, «No princípio era o Verbo». Assim, também a reforma do sistema político inicia-se agora, nesta derradeira oportunidade, com leis avulsas importantes.»
Este parágrafo, mereceu-nos uma observação, a qual publicamos nessa data no Observatório da Aliança Evangélica. Transcrevêmo-la aqui, porque ocorrem, nos meios de comunicação social, com frequência citações deslocadas e imprecisas das Sagradas Escrituras, produzidas por personalidades que devem achar que fica bem citar a Bíblia no mesmo passo que citam Shakespeare.

Genericamente, este artigo de um prof. da Faculdade de Direito de uma universidade lisboeta, cujo nome por resguardo e pudor não devo citar, é um texto compreensível que louva o empreendimento governamental e legislativo de reformar o sistema político com leis - palavras necessárias, o verbo -, não esquecendo algo importante, e que teve a coragem de citar, que é a tão precisada reforma das mentalidades e comportamentos perante essas e outras leis. É um artigo para apelar à cidadania. O pior é quando, a dado passo, pretende enriquecê-lo com uma palavra bíblica, logo do foro da teologia.
Com efeito, estabelece uma confusão de «Princípios» de jurisdição teológica.
O «princípio» que cita, como estando no começo da Bíblia, entenda-se no Livro do Génesis, na realidade não o está. Encontra-se num dos Evangelhos.
Se quisermos falar da importância dos dois «Princípios», deveremos dizer que «No princípio era o Verbo» é mais importante, porquanto trata da Eternidade.
Sendo o termo «arché» o mesmo para ambos, localiza, no entanto, o Verbo divino, o Filho de Deus, junto do Pai desde o eterno. O texto está no primeiro capítulo e primeiro versículo do Evangelho Segundo S.João.
Quando, de facto, «a Bíblia, no seu começo», diz «No princípio criou Deus...», o que estamos a ler é o início do Tempo e do começo da matéria no Tempo.
Como sabemos são categorias diferentes.

Monday, February 16, 2009

À espera de uma porta

Fragmento de tela de Hopper, Nighthawks, 1942


O ascensor com um solavanco pára
As portas deslizam, a saída
É agora uma parede branca
Meus dedos apunhalam
Os botões, tocam
No sinal de alarme, uma voz brusca:
-«Qual é o problema?»
Com a minha voz dentro de uma caixa
De ossos e adrenalina:
-«Quero sair no 25º andar, há anos
Que trabalho neste piso, meu nome
É conhecido»
-«Não há 25º andar neste edifício»
E a voz do altifalante indiferente
Recomeça um mundo vazio.

12/2/2009

Tuesday, February 10, 2009

Alba


As cool as the pale wet leaves
of lily-of-the-valley
She lay beside me in the dawn.

Ezra Pound


Alba

Tão fresca como as pálidas folhas
molhadas do lírio-dos-vales
Estendeu-se ao meu lado na aurora.


Trad. J.T.Parreira

Monday, February 09, 2009

O Diálogo do Momento:Cristãos/Muçulmanos

Duas caixas de fruta voltadas ao contrário encostadas ao muro. Abdulai sentado a um canto dum desses caixotes, a nosso pedido, dá-nos lugar ao seu lado. Veste-se dum comprido e gasto bubu claro de onde ressaltam as riscas negras, verticais. Um boné branco, também ele ruço pelo tempo, característico do muçulmano, cobre-lhe o cabelo escasso. Talvez resultado de algum ataque mais ou menos recente tem a boca um pouco ao lado. Tem olhos sombrios, diria mesmo apagados. O francês sai-lhe perturbado pela língua mãe e também por aquela deficiência. Entre as mãos passeia-lhe uma velha caixa de comprimidos que ele vai abrindo de tempos a tempos e de onde tira as moedas para fazer o troco dos baldes de água que os habitantes do bairro vêm comprar. É um homem de diálogo. E porque o diálogo faz parte do caminho que percorremos ele vai desfiando os seus pensamentos, evocando o livro santo dos muçulmanos. Eu ouço-o com a máxima atenção. Allah é a razão primeira do muçulmano. Sabe-se num mundo criado por Deus e que vai terminar por se encontrar diante d'Ele para o julgamento final. Falamos da criação e do modo fantástico como Deus tudo criou e como tudo sustém. Ouço-o com gosto enquanto vai desfiando a vida. Fala-se do paraíso e eu baixo-me para desenhar um pequeno círculo com uma abertura. Vai-me seguindo enquanto vou rasquinhando o “paraíso” e depois chegamos ambos à triste realidade que para entrar ali é necessário deixar todos os pecados de fora. Acabamos por concluir que por nós mesmos é impossível.

In http://allahuakbar-lavrador.blogspot.com/

Friday, February 06, 2009

A profecia de Norman Mailer


Não há como a História para pregar partidas. Mesmo sem o recurso à perspectiva poética, aforística e tautológica do poeta T.S.Eliot sobre os ciclos do Tempo:

«O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro,
E o tempo futuro contido no tempo passado».


Em 1967, a América tinha uma ferida exposta à luz mediática, essa ferida chamava-se Vietname. E escritores negros como James Baldwin, ou brancos e formalistas como o poeta Robert Lowell, ou o rebelde da Nova Esquerda americana Norman Mailer, em conjunto marchavam contra essa ferida.
Sem desodorizantes, até os hippies se manifestavam contra o que se dizia ser o odor da carne queimada no Vietname. Até nós, no Portugal cinzento, antes da filmografia sobre essa guerra, chegava vagamente esse odor.

Na década de 60, os jovens da minha geração ( de 47) lembrar-se-ão, mesmo dentro dos filtros do salazarismo-marcelismo, das notícias que davam conta em português da Grande Marcha sobre o Pentágono, em Washington, brandindo um Não à guerra americana no Sueste Asiático.

Hoje, existem vários documentos literários sobre esse tempo de protestos, que a juventude e os intelectuais, negros e brancos iniciaram ainda em 1963, mas que só quatro anos depois teve a sua máxima expressão, visando o tripé presidente Johnson, MCnamara e Rusk, a quem chamaram «os maiores criminosos de guerra do país».

Norman Mailer veio para a rua com os seus exércitos da noite e atacou. Com uma propensão histriónica em tudo que escrevia, «atacou» o Pentágono e o «dinheiro que fez o Pentágono». Escreveu um livro-documento denominado Os Exércitos da Noite( D.Quixote, 1997), segundo a crítica norte-americana e os Prémios, o Pulitzer e National Book Award, uma obra vigorosa depois de Os Nus e os Mortos (Portugália,1972).

No decurso de uma Manifestação contra a Guerra do Vietname é preso e depois elabora esse livro-documento em que se entrelaça o novo jornalismo e a ficção, e a história vem narrar todos os passos e palavras e sentimentos da história norte-americana dos anos finais da década de 60.

Há até poetas nessa Manifestação, foram valorizá-la e deram ao livro de Mailler uma dimensão de Epopeia. E profecias também.

Um dos poetas mais notado nessa época, o citado Robert Lowell, que já havia composto For the Union Dead, como «coisa pública», comparece por isso em Washington para se fazer ouvir. Lê à mole humana um extenso poema Despertar Cedo ao Domingo de Manhã, como um despertador de consciências, política, social e culturalmente falando.

A profecia, essa viria - lemos em Os Exércitos da Noite- com um discurso futurista, ainda que montado com vocábulos desse tempo ou que começavam a fazer caminho nesse tempo: Poder Negro, brancos, negros, Nova Esquerda, etc.

Descreve o discurso da irmã do conhecido Malcom X, Ella L.Collins, que foi para o lider da Nação do Islão, «a primeira mulher negra com verdadeiro orgulho» falecida em 1996. No entanto, segundo o romancista, Ella falava ainda aos Brancos como se se pudesse conceber uma sociedade onde eles marchassem pela mesma rua, mas muitos dos Negros nesta secção reservada tinham passado para o futuro, para aquele negro do século XXI, quando o Poder Negro tivesse conseguido fazer o Branco invisível para o Negro.»

Claro que o movimento Black Power esgotou-se enquanto tal nos anos 70, o presidente Obama é o negro do século XXI, e o afro-americano já não é invisível, obviamente o branco também não.

Fome e Sede de Justiça

"Fome e Sede de Justiça". Relato de uma vida sem futuro, inserto no Diário de Notícias, aqui via Ab-Integro.

in http://www.ab-integro.blogspot.com

Thursday, February 05, 2009

Assuntos de Família (o Aborto)


Gunther Grass, escritor, Nobel da Literatura, enquanto poeta aderiu na década de 40 ao Movimento Expressionista, também andou pelas tertúlias do surrealismo. Depois afastou-se. No entanto, existe um poema que exprime bem ambos os movimentos, sobretudo o Expressionismo. É também um autêntico libelo contra o Aborto.

Assuntos de Família

No nosso museu - vamos todos os domingos-,
inauguraram uma nova secção.
Nossos filhos abortados, embriões pálidos e sérios,
encolhidos em redomas de cristal,
preocupados com o futuro dos seus pais.

(Trad. do alemão e espanhol, por J.T.Parreira)