Saturday, January 31, 2009

O Poeta no Desemprego

(Paráfrase de poema de Bukowski)

Há muitos portugueses licenciados em Literatura
Que sonham ser Andrade
Ou Jorge ou Campos
Quando a melhor coisa a que podem
Chegar é ser óptimos
Caixas nas lojas Pingo Doce.

Friday, January 30, 2009

Saturday, January 24, 2009

Um Pródigo epidiano

Pequenina, mas insistente, como uma mosca –parafraseando o início de um conto de Albert Camus-, voando num espaço fechado, mantinha-se ainda a imagem do pai na mente do Pródigo.

Um rosto onde a alegria do sol resvalava nas rugas, fatigado e triste, um corpo curvado, avançando a custo, debilmente com a luz da manhã, parecendo querer alcançar o filho que partia. Quando acordou, no dia seguinte, o Pródigo pensou nisso, mas o sol da nova cidade a detalhar a sua sombra na rua desconhecida, mas fervente de uma vida livre, cosmopolita, há muito desejada, fê-lo esquecer o pai e pensar no que haveria de fazer com o dinheiro da herança.
Era assim que começaria um conto sobre o Filho Pródigo, não fosse o caso de pretender tão-só pensar no peso que os bens da herança exerceram sobre o jovem e o influenciaram a deixar a casa paterna.

Do ponto de vista social, neste caso parece que o filho mais novo recebeu apenas dinheiro ou bens móveis. Era o que poderia reclamar o filho por lei, ao atingir a maturidade, quer entre os antigos romanos e os sírio-fenícios, como um costume, seguido também pelos judeus.

À parte a teologia evangélica da parábola do Pródigo, para a altura em que Jesus Cristo a contou, e depois a exegese sob o prisma da sotereologia (a doutrina da Salvação), seria uma parábola com um cunho de incontornável modernidade.

Jamais nas relações patriarcais semitas, um filho deveria ter tomado uma decisão tal de afrontamento ao pai, ao patriarca da família, exceptuando aqui, por exemplo, a história de Absalão e David.

Neste aspecto é uma história de ideias. Um filho que tomou uma atitude, por assim dizer, que ficaria entre o Édipo, que lhe era muito anterior, e Freud que viria quase vinte séculos depois.

As rupturas com o progenitor -sobretudo na segunda infância- são do foro do Édipo. Do mal-entendido que Sófocles criou, partindo da lenda, e não da figura mitológica que decifra o enigma lançado pela Esfinge. Como sabemos, na psicanalise é hoje um complexo, o complexo de Édipo.
O sentimento que temos perante a atitude do Pródigo é do completo desejo da ausência do pai, embora não da punção criminosa contra o progenitor, como é óbvio.

Não foi esse o objectivo da parábola, nada se nos revela antes do subconsciente, menos ainda do inconsciente do filho pródigo, quanto às razões contra o velho e bondoso Pai.
Jesus quer colocar ali a situação universal do homem-criatura de Deus que se revolta contra o Criador. Mas, na verdade, o jovem pródigo «rebela-se» contra o pai, porque este representa os limites, a educação patriarcal, a obediência, as regras e os valores do Lar.
O jovem tem uma errada ideia de liberdade. «E, poucos dias depois, o filho mais novo,ajuntando tudo, partiu» (Lc,15,13)

E a ausência do pai proporciona-lhe a realização dessa ideia de ser livre. Em casa, o desfructe da herança, digamos do dinheiro, estava marcado ainda pela presença do pai, na sua consciência representava limitações. Podia usar os bens herdados, mas não o livre arbítrio, a liberdade plena para os gastar. Os olhos do pai estavam em todo o lado, na percepção do filho. Por essa razão partiu.

Era preciso criar um abismo, e o filho pródigo fê-lo, moral e fisicamente. Não vejamos nisso nenhum desespêro sentimental, a comandar esse sentimento de fuga, havia o aspecto utilitário - o como poder gastar o dinheiro, sem embaraços morais. Havia também aqui o que a filosofia designaria por necessidade, isto é, o que deveria ser diferente para a rotina do Pródigo.
«Partiu... para uma terra longínqua e ali desperdiçou a sua fazenda, vivendo dissolutamente» (Lc, 15, idem ). Ao invés do irmão mais velho, que sempre serviu o pai, «sem nunca transgredir» (Lc,15,29).

Roland Barthes, filósofo da linguagem francês, escreve sobre as crianças des-socializadas pela pobreza; assim, apreciado a esta luz moderna, o filho pródigo desfamiliarizou-se, todavia ao contrário, pela riqueza, como tantos jovens do nosso tempo, submetidos ao relativismo moral, hedonismo e materialismo.

Wednesday, January 21, 2009

Com Obama todos somos nós

Blockquote
Comentário postado no Público on line
21.01.2009 - 13h02 - João Tomaz Parreira, Aveiro/Portugal
Lembro-me ainda que em Novembro de 1960, estava no Posto Médico da Senhora da Hora, Porto, com a minha mãe, grávida da minha irmã. Ouvi que ganhara a Presidência na América John Kennedy. Depois, até 1963 fui acompanhando conforme os meus 14,15,16 anos permitiam, toda a acção do meu Ídolo: Kennedy, até ao fatídico dia 22 de Novembro. Hoje, com 61 anos, volto a ter um paradigma, talvez mais: no nosso século XXI, tenho e o Mundo também, um Arquétipo em Barack Obama. O seu discurso inclusivo, a sua belíssma retórica identificativa, implica-nos a todos. Com Obama todos somos nós.

Saturday, January 17, 2009

Idílio depois do Dilúvio



Está aqui o tempo de soltar as pombas
sobre o barro lento.

Às águas nebulosas,
soltas das fauces da noite,
agora sim, as pombas
para acariciar o mundo.

É tempo de alongar os olhos
para o voo das pombas,
para o arco
que triunfa sobre as cores.

A beleza do voo já reflecte
no frágil espelho das águas,
as alegrias do dia,
e a flor já veste a primavera,
pétalas entre ruínas.

Tuesday, January 13, 2009

Todos fomos anti-semitas


«Jew», de Marc Chagall

Todos os domingos, os judeus eram atacados. Por assim dizer, cada domingo os sentimentos dos cristãos alemães eram irrigados com o ódio anti-semita.

Incompreensivelmente, os Soontagsblatter impressos entre 1918 e 1933, como semanários religiosos, foram «cultivando» dentro da piedade cristã o joío, com a ideia de que os judeus «eram os inimigos naturais da tradição cristã nacional».

O mundo, para o dizermos de um modo abstracto, foi (é ainda) quase todo anti-semita. Mitigando esta afirmação no que concerne a posições individuais, todos nós, de algum modo subjectiva ou objectivamente o fomos.

Partindo da forma profetizada do livro O Choque de Civilizações ( do recentemente falecido prof. Samuel Huntington, que preconizou este novo paradigma em 1996), a primeira e prevalecente «civlização», segundo a leitura do autor supracitado, foi sem dúvida a Ocidental iniciada no berço dos antigos gregos. Originária na Europa, a civilização ocidental é herdeira das civilizações clássicas grega e romana, que não foram propriamente íntimas do coração judaico.

O Ocidente com a Renascença recomeçara a instalar-se sobre todas as demais civilizações: latino-americana, islâmica, chinesa, hinduísta ou mesmo africana, etc. O Ocidente prevalecia também definido em torno de uma religião, o Cristianismo. O judaismo e os judeus estavam confinados às sinagogas e às judiarias, para não dizer da forma mais histórica possível, confinados aos guetos.

Do lado do Cristianismo, poderia ter havido uma exteriorização inefável de conforto para com os judeus, se a civilização ocidental dita cristã tivesse lido literalmente, sobretudo com sentido hermenêutico, com sentimento de afecto espiritual e humano, algumas das palavras inspiradas do Apóstolo Paulo sobre o posicionamento bíblico dos judeus. Do ponto de vista neo-testamentário e da História, o judeu foi responsável indirecto pela morte de Jesus, mas também foi beneficiário principalmente do facto de lhe terem sido confiados os oráculos de Deus – escreve Paulo na sua Carta aos Romanos.

As inquisições, sobretudo, misturaram a posição dos judeus perante a crucificação de Jesus com a sua natural aptidão para serem o povo da Aliança divina conferida no Sinai e de Moisés. Designadamente as Inquisições portuguesa e espanhola, constituiram-se um caso à parte na história geral da perseguição aos judeus– como escreve A.J.Saraiva em Inquisição e Cristãos- Novos. Ao juntarem o braço temporal-o Rei- com o braço espiritual- o Papa-, esqueceram que, «em teoria, a Igreja não podia obrigar a converter-se à Fé cristã os nascidos fora do seu grémio, como Judeus ou Muçulmanos», como afirma o prof.Saraiva, atitude que já antecipava um choque de civilizações nos séculos XV e XVI.

Hoje, é dado mais que adquirido que não existe Inquisição nem Santo Ofício, mas já as não havia nas primeiras décadas do século XX, no entanto as ideologias anti-culturais, isto é, políticas, souberam criar Auschwitz, subvertendo e desintegrando todos os valores e tudo o que era humanidade dentro da cabeça do homem europeu.
Persistem, porém, os preconceitos e, queira-se ou não se queira, há uma consciência latentemente anti-semita.

Na própria história da literatura contemporânea, este assunto não foi escamoteado. Basta ler «Focus» (1945), romance do dramaturgo Arthur Miller. «Um pouco acima dos seus olhos estava traçado com cuidado: Os judeus desencadearam a Guerra. E por baixo: Morte aos judeus».
Estava-se na América, em Nova Iorque. E a figura simbólica do judeu transformou-se no cidadão da nossa rua, acusado arbitrariamente de raça judaica, porque os óculos eram, alegadamente, denunciadores. O judeu parecia continuar a ser uma vítima da própria democracia.

in Diário de Aveiro, 12/1/2009

Friday, January 09, 2009

O Frio Polar


O frio bate mansinho
agarrado aos ossos
anestesia as extremidades
no falso rubor das faces
a alma encolhe
e os dias escorregam
entre narizes húmidos

e quando o sono faz que vem
aquecer os olhos
a jornada polar está prestes a esgotar-se
no horizonte
da noite eterna.

Brissos Lino
01/2009


de A Ovelha Perdida

Monday, January 05, 2009

"Os Sapatos de Auschwitz"



Cartaz de apresentação do livro e palestra na Universidade Sénior, Setúbal

Saturday, January 03, 2009

Joanyr de Oliveira



"Fui pastor de destinos/soltos nas ventanias.//(...)Hoje pastoreio as horas,/colho o mel das palavras.//Pastoreio metáforas/na inocência do branco."