Thursday, April 27, 2006

O Pobre

O Cristo Solitário, de Kramskoy
Um Cristo hamletiano



As aves têm o céu
no seu ninho,

as raposas onde esconder
seu olhar.

Eu estou sozinho, sem pedra
onde pousar o meu sono,

e onde meu corpo passa
vai minha casa.

(J.T.Parreira, in «Pássaros Aprendendo Para Sempre e Outros Poemas»)

Tuesday, April 25, 2006

Gilberto Freyre, um Evangélico

Influenciado pelos mestres do colégio, tanto quanto pela leitura do Peregrino de Bunyan e de uma biografia do Dr.Livingstone, toma parte em actividades evangélicas e visita a gente miserável dos mocambos recifenses.
Interessa-se pelo socialismo cristão, mas lê como uma espécie de antídoto a seu misticismo, autores como Spencer e Comte.
Em 1917, conclui o curso de Bacharel em Ciências e Letras do Colégio Americano Gilreath. Eleito orador da turma, cujo paraninfo é o historiador Oliveira Lima, desde então seu amigo, faz-se notar pelo discurso que profere. Começa a estudar grego. Torna-se membro da Igreja Evangélica, desagradando a mãe e a família católica.

Saturday, April 22, 2006

A metáfora do «Deserto»

Joseph Ratzinger deu início com uma metáfora ao chamado exercício espiritual da Quaresma na última Páscoa.
O referente que usou para incorporar essa metáfora, foi o lexema «deserto». E afirmou que «il deserto è un percorso interiore di liberazione».
O diário L'Osservatore Romano do passado 6 de Março, ilustrava o período dos 40 dias com um título em que o «deserto» se assumia como palavra recorrente. No corpo do artigo, observava-se ainda que as palavras do Papa exortavam todos os católicos, em princípio, a uma «semana de silencioso e suplicante recolhimento», convidando-os a transformarem sua oração em silêncio, e cada dia a dirigirem seus passos para esse longo «deserto».
Compreendemos o sentido da figura, porque o deserto foi, desde o Velho Testamento, o lugar de passagem da provação e das privações para a alegria e a abundância, foi também o lugar do reassumir forças físicas e espirituais para desenvolver um ministério de renovação de carácter nacional, no caso de Elias refugiado numa caverna, no deserto, lugar onde também Jesus Cristo fez a passagem ritual da tentação para o ministério, para prosseguir a Sua Obra redentora.
Embora no deserto não existam atalhos nem obstáculos, como bem referiu Ratzinger, nem rumores de fundo que impeçam escutar uma voz límpida e que preencha todas as amplidões, sabemos da miragem que os ecos podem ser e que tais ecos não são a Voz de Deus. Esta, no plaino rural ou na efeverscência artificial da urbanidade, só pode ser ouvida através da própria Palavra de Deus, da Bíblia Sagrada, onde o Espírito Santo fala connosco.
O crente deve estar precavido para saber distinguir «las vozes de los ecos», como ensinava o poeta espanhol Antonio Machado. O silêncio, certos silêncios, são por vezes tão confusos e enganadores como os ecos.
Na verdade, na Quaresma procura-se eliminar os ecos e ficar-se pelo silêncio, trata-se segundo o conceito romanista de «uma ocasião de conversão e do mais corajoso impulso para a santidade» pelo silencioso e suplicante recolhimento.
A conversão, segundo esse conceito quaresmal do catolicismo romano, já não vem assim através da confissão dos pecados, o que implica falar, expor-se, abrir a boca e o coração para Cristo, como o apóstolo Paulo ensina aos Romanos, pelo contrário, vem antes pelo silêncio.

Monday, April 17, 2006

Bíblia de 1891, achada numa rua de Londres

Verão de 1977, sábado, hora do fim de mercado de rua, talvez por se chamar Church Street, ali para os lados da Edgwere Road difusamente na memória, encontrei no lixo esta preciosidade.
Era de 1891. E não há nada como a Verdade que o tempo não abala. Nos Evangelhos, Judas Iscariotes é tratado canonicamente, sem as ficções do seu agora divulgado pseudo-evangelho.

Thursday, April 13, 2006

Edital para os Judeus

(c) Fotografia extraída do «New York Times» on line, publicada ontem, dia 12.



Não devem ir para Leste, os vossos olhos
escuros são recantos de penumbra
pelas ruas, o ódio não desarmou
ainda a morte

Nem para Ocidente, não é bem-vinda
a vossa estrela, o Norte
e o Sul são polos divididos

Ninguém se lembrará das nuvens
de cinza sobre as cidades nocturnas
que vos devolvia ao chão

Sois um arquétipo e o mundo
teme ainda o estranho amor
do vosso início
entre Jeová e Abraão.

(Extraído de www.poetasalutor.blogspot.com)

Wednesday, April 05, 2006

A Peste

Cidades felizes hoje já não existem, porque cada nova manhã pode trazer em si o pesadelo. Nova Iorque, a 11 de Setembro acordou radiosa, mas a luminosidade do céu sobre a Downtown escondia os pássaros prateados da morte.
O homem, individual ou colectivo, não pode cometer a temeridade de afirmar o absoluto de uma manhã feliz. Há uma atmosfera de ameaça no ar.
La Peste anda no ar, nas notícias, nas mentes dos cidadãos, nas peripécias do mundo. A Peste, quer dizer o terror do sofrimento e da morte, a enfermidade, o exílio numa cidade que pode fechar-se de quarentena, a separação das famílias.
O escritor Albert Camus quando escreveu o romance «La Peste», insistiu no livro inteiro com esta mesma ideia da separação da família, na prática «não há outra coisa senão homens sozinhos no romance».
O escritor baseou a sua obra sobre um facto moderno, real que ocorreu durante os anos 1941 e 1942, quando uma grande epidemia de tifo fez enorme devastação na Argélia, fornecendo o local exacto para o romance - a cidade de Orão-. Pensa-se que o número dos contaminados tenha atingido os 255.000.
Na Idade Média, a Peste teve sempre uma relação com os aspectos escatológicos da religião, a humanidade ornava-se com gravuras, pinturas, palavras quase sempre baseadas no conceito de castigo dos Céus. No ano de 1348 « no mês de Agosto, viu-se sobre Paris uma estrela, na direcção do Oeste, muito grande e muito luminosa» - escreveu alguém, dando a esta visão um sentido premonitório. E foi a chamada Grande Peste de 1348.
A Morte, depois do século XIII, deixaria de ter uma imagem ideal, quase de parábola de Lázaro levado ao seio de Abraão pelos anjos, morte serena, e passou a mostrar-se através de cadáveres decompostos, descarnados, pestilentos. De tal forma este tipo de morte pestífera impressionava a Europa, que nas paredes dos próprios templos figuravam danças macabras. O homem dessa época estava dominado pela angústia.
O mundo está hoje dominado por essa mesma angústia. Calígula, na peça de Camus, «descobriu» que os homens morriam e não eram felizes. As pestes mortíferas não estão assim tão adormecidas no ventre do Mal, nas possessões do deus deste Século - o Diabo-, não podemos esquecer-nos que La Peste tem hoje outros nomes: Sars, Ébola, Sida, Gripe Aviária...
E que faz o homem religioso, que tem maiores responsabilidades do que qualquer outro? Contenta-se, como diria o padre Rieux de «La Peste», com o visitar Deus ao domingo.

Saturday, April 01, 2006

O Tempo que passou

Edição da Pró-Luz, em 1975


IGREJA

Aqui cantámos e quisemos
Senhor que a noite despertasse
Aqui subimos aos Teus olhos
Na voz em que bebeu a nossa face

Não científicos mas nus
Trajados de lírio e som
Sofremos na limpidez da chama
Nossas veias sob a Cruz

E eis o Teu corpo nupcial
Intacta messe
Como este amor pedia

Vigilante apenas
E os lábios
Construídos de alegria.

(1972)