Monday, July 30, 2018

A TENTAÇÃO




(Briton Rivière, óleo s/tela, 1898)




Pai, deste-me o deserto antes da montanha
E segui com os olhos as estrelas fugidias
No céu estrelado, lançaste-me aí
Na força da idade, a minha vontade
De mostrar ser Deus, quebraste como uma pedra

No deserto antes da montanha, Tu sabias
Que o meu coração guardaria a visita da pomba
Do baptismo, que trocaríamos a frescura das águas
Do Jordão pelo solo despovoado de aves do deserto
E alguém veio com minuciosas tentações

Achando que os meus olhos cederiam à seda
Do que viam e dos sentidos, Pai agradeço
Teres-me dado o deserto e dormir sob a melancolia
Da lua, porque mesmo sendo Deus
Isso tornou rijos os meus ossos.


29/07/2018
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Wednesday, June 20, 2018

“A RESSURREIÇÃO DE CRISTO E AS MULHERES NO TÚMULO”, de FRA ANGELICO


Deixem aqui os vossos temores, aqui apenas

Estão os lençóis que cobriram a morte

Ele tinha-vos dito recentemente

Guardem os vossos bálsamos, são suaves

Agora os caminhos de Jesus sobre as nuvens

O que os vossos olhos não contemplam

É o só princípio da luz ao fundo da eternidade

Vejam aqui na luz solar o túmulo, deixem aqui

As vossas lágrimas arrumadas sobre o pano

Que lhe cobriu a cabeça, esqueçam as ligaduras

No chão, não procurem mais aqui a vida

No lugar dos mortos.


19/06/2018
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Thursday, April 26, 2018

PIETÁ




Este homem vazio que descansa no meu colo

Sem o espírito que entregou ao Pai

Este silêncio branco absoluto, com que digo

O seu nome, a única coisa bela que trago

Em meus ouvidos, chamarás o seu nome

Jesus, descansa agora e conhece a ternura

Das minhas mãos maternas. Este homem

Sobre o qual tenho os meus olhos humildes.



24/04/2018
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Friday, March 30, 2018

UMA PAIXÃO SEGUNDO MATEUS








E chegaram à montanha do meio-dia

Elevaram-lhe o coração como um ninho
para o mundo 
E crucificaram-no ali, as palmas das mãos
Tingiram-se de sangue sob os cravos
Os pés enfim descansariam
E os seus lábios então silenciosos
Rejeitaram a mirra com o vinho, viu
Lançarem dados para dividir os seus vestidos

A sua respiração rasgava ainda o peito nu
Já na morada dos seus olhos a luz débil
E viram-no como ovelha vigilante
Na hora de morrer, subiu como raiz
Da terra sequiosa, sem beleza
Rumo a Deus.

27/03/2018
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Wednesday, March 07, 2018

MULHER






“Fragile, opulenta donna, matrice del Paradiso”
Alda Merini


Não és assim tão frágil como dizem
Aqueles que espreitam ainda através
Das árvores do Paraíso, depois de tudo
O que se passou és um grão de dor
Nos olhos de Deus, o teu sexo fraco
- ainda dizem, É mais forte do que o nosso
A maravilha é que tu sabes chorar
E são as tuas lágrimas que ainda regam a terra.

07/03/2018
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Sunday, January 07, 2018

LITERATURA DO HOLOCAUSTO: PRIMO LEVI E VIKTOR FRANKL


O homem que é fundido na massa, que num campo de concentração não deveria dar nas vistas dos guardas SS, não sobressair em nada, tornar-se apenas num incógnito para tentar sobreviver algum tempo, é a temática de dois livros coincidentes.
“Se Isto é Um Homem”, de Primo Levi, e, de Viktor Frankl, “Um psicólogo no campo de concentração”.
Não há grandes mudanças nem novidades nas análises psicológicas dos deportados e encarcerados nos campos de concentração nazis de Auschwitz-Birkenau que o psicólogo Victor Frankl e o escritor e poeta Primo Levi fizeram, a partir do mesmo destino nesses campos, porque eram judeus.
O elemento comum que já a filósofa judia Hanna Arendt identificara, é a despersonalização dos indíviduos, o tornar os judeus, sobretudo estes, matéria descartável, abaixo de sub-humanos se cabe aqui o pleonasmo.

Um dos aspectos que Viktor Frankl evidencia no seu livro, no que concerne à despersonalização do indíviduo, é, por exemplo, o facto da nudez. É a primeira realidade dos prisioneiros que chegavam ao campo e antes de entrarem para um suposto duche nas câmaras de gás, o que significava não apenas “o não ter nada no corpo”, mas também o homem e a mulher intuírem ou terem mesmo a consciência de que “possuíamos apenas a nossa existência literalmente nua”.

Vão no mesmo sentido as palavras de Primo Levi, no que diz respeito à consciência de que perante os carrascos já não se tem nem corpo nem alma, podendo dizer-se o mesmo total vazio dos algozes: “Aqui recebemos as primeiras pancadas: e o facto foi tão novo e insensato que não sentimos dor, nem no corpo nem na alma. Só um profundo espanto: como se pode bater num homem sem raiva?”
Na contundente narrativa de Levi, lemos do completo despojamento de personalidade do prisioneiro judeu nos primeiros momentos entre a aglomeração num gueto, a deportação, a chegada ao Campo, o despojamento da individualidade e do pensar: “Soubéramos, com alívio, do nosso destino. Auschwitz: um nome sem qualquer significado, naquela altura e para nós; mas certamente devia corresponder a um lugar desta Terra.”

Do outro lado, da parte dos executores do maléfico plano de Eichmann, a chamada Solução Final que deveria eliminar a judiaria europeia, a própria despersonalização era evidente, já nem seria ideológica, era apenas a prossecução do Mal. Quantos mais “números” de uma raça tido como inferior e sem direito a existir eliminassem, tanto melhor. Nenhum dos guardas dos campos de concentração nazis era um burocrata, era tão só manobrador de uma maquinaria de morte, limitava -se a cumprir ordens, sim, mas tinha com certeza prazer nos sofrimentos que estava a infligir aos prisioneiros judeus e não apenas a estes? Os guardas e os oficiais SS estavam presentes e eram os agentes do Mal, ao contrário da banalidade entrevista na atitude de Adolfo Eichmann, julgado em 1962 e enforcado. Eram apenas monstros.

Monstros com consciência do Mal, do prazer em praticar o mal com uma razão, talvez por isto Hanna Arendt, judia, foi detestada pelos judeus porque viu em Eichmann, durante o julgamento deste, um homem banal. Um homem- nada.
Em Auschwitz, que é o cenário realíssimo de ambos os livros referidos, o ambiente era niilista. A vida humana estava reduzida ao Nada. Num lugar sustentado e representado pelo Nada.
Mas uma afirmação do filósofo alemão, Heidegger (1889-1976), não inibe esse Nada de responsabilidades: “Nada é sem razão”, escreveu em “Le principe de raizon” (Galimard, 1962).
Tudo tem uma razão para existir, nenhum efeito é espontâneo, tem sempre uma causa. Não foi o destino nem foram os deuses que fecharam para sempre num campo de concentração e extermínio judeus e outro género social de pessoas. O Prometeu, do grego Ésquilo, roubou aos deuses para auxiliar os homens, teve portanto uma causa para a razão do seu sofrimento, acorrentado a um penhasco, sofrendo tempestades e o fogo do sol ardente. Como em Auschwitz, as razões não tiveram sentido. Partiram de uma mentira, no que concerne aos judeus da Europa de Leste e Central até França. Alguém escreveu (o filósofo Wittengstein) que “a consciência de que se está a mentir é um poder ”. Foi isso que os SS exerceram em Auschwitz.
Primo Levi e Viktor Frankl narram não só o Mal, mas também não procuram nenhuma Razão, porque ela ali não tem sentido algum. E não o fazem sequer do ponto de vista filosófico, mas físico e psicológico.
Em ambos os livros há a sem razão de se morrer antes do tempo determinado, segundo o pensar humano, por exemplo no “Se isto é um homem”, Levi, escreve: ” Assim morreu Emília, que tinha três anos (ao desembarcar no Campo); porque aos alemães parecia evidente a necessidade histórica de matar os filhos dos Judeus”.
A imagem sem razão da morte estava sempre presente, até no simples facto “civilizado” do soldado SS perguntar às suas vítimas se não tinham dinheiro ou relógios para lhe dar, dado que elas “já não iriam precisar deles”.
Viktor Frankl tenta explanar este aspecto de um ponto de vista psicológico, usando esse instrumento para ver o que estava dentro da mente dos judeus. O autor propõe que a “ reacção do prisioneiro ao entrar num campo de concentração pressupõe um estado de ânimo anormal “, a propósito das reacções anormais das vítimas do Holocausto. Primeiro um “estado de choque”, que passa depois para ”uma relativa apatia” e, finalmente, “chega a uma espécie de morte interior”
As diferenças que se complementam entre os dois livros, residem em que no de Primo existe a despersonalização do individuo para a Morte, no de Frankl a despersonalização pela experiência do trabalho forçado, sem esperança, e que não livrava da Morte.

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Friday, December 08, 2017

DEPOIS DO NATAL

  


Depois da Festa e depois mais tarde
Dos pés adormecerem
No manto frio da noite no deserto, dos anjos
Que vieram depois trazer o pão do céu
E de nas margens do Jordão dar o exemplo
Da ressurreição e o baptismo da angústia
No Getsémani e de saber que um Deus
Pode suar gotículas de sangue, às vezes
Pensou no colo e no ventre da mulher
Que o trouxe ao mundo, depois do Natal
Mais tarde envolveria o seu corpo na mortalha
Outra vez no colo e nas mãos trémulas de Maria.

08/12/2017

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